Uma tradição secular que moldou caminhos, ergueu cidades e marcou a cultura do interior brasileiro.
No coração do Brasil profundo, entre serras, campos e estradas de terra, ecoa até hoje a memória de uma das mais marcantes atividades da história nacional: o troperismo. Muito mais que a simples condução de tropas de mulas, bois ou cavalos, o troperismo foi, por séculos, uma das principais engrenagens econômicas, sociais e culturais do país, especialmente entre os séculos XVIII e XIX.
O que é o troperismo?
Troperismo é o nome dado à atividade desempenhada pelos tropeiros homens que conduziam animais de carga por longas distâncias para transportar mercadorias, alimentos, ferramentas e até pessoas, ligando centros produtores e consumidores em um Brasil ainda carente de infraestrutura. As rotas tropeiras cruzavam estados como Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, e eram fundamentais para abastecer regiões mineradoras, como as vilas do ouro em Minas, e também para promover a integração do vasto território nacional.
Importância econômica e social.
Durante os períodos colonial e imperial, o troperismo representou uma das principais formas de circulação de bens no interior. As tropas levavam sal, tecidos, ferramentas e produtos europeus para regiões isoladas e voltavam com ouro, couro, charque, açúcar, café e outros produtos brasileiros. As tropas também serviam ao comércio de gado e ao abastecimento das feiras regionais. Os tropeiros fundaram pousos ao longo das rotas, que mais tarde dariam origem a cidades importantes. Curitiba, Sorocaba, Ponta Grossa, Lages e outras têm em sua origem o traçado das trilhas tropeiras e os pontos de descanso e comércio das tropas.
A cultura tropeira além do impacto econômico.
O troperismo deixou profundas marcas na cultura brasileira. A culinária tropeira, com pratos como o feijão tropeiro, a paçoca de carne seca e o arroz carreteiro é apenas uma das heranças. A religiosidade, as festas, o modo de vestir (com chapéu, guaiaca e bota) e o linguajar regional também carregam influências dessa tradição. A figura do tropeiro é também símbolo de resistência, coragem e sabedoria popular. Viajando por semanas ou meses, enfrentando intempéries, animais selvagens e doenças, os tropeiros desenvolveram um modo de vida peculiar, onde a solidariedade e o respeito aos animais eram essenciais para a sobrevivência.
Troperismo hoje – tradição e turismo.
Com o advento do transporte ferroviário e, posteriormente, rodoviário, o troperismo perdeu sua função econômica principal. No entanto, suas raízes continuam vivas em festas típicas, cavalgadas, museus e eventos culturais. Cidades como Sorocaba (SP) e Lapa (PR) realizam anualmente encontros tropeiros, recriando as antigas jornadas com trajes típicos, culinária tradicional e homenagens aos pioneiros. Já a Rota dos Tropeiros é hoje um importante roteiro turístico que atrai visitantes interessados em história, ecoturismo e cultura regional.
Patrimônio imaterial O troperismo já foi reconhecido como patrimônio cultural imaterial em diversas regiões do país. Em 2017, o estado do Paraná sancionou uma lei que declara o “Caminho das Tropas” como patrimônio histórico, valorizando a memória e incentivando a preservação das rotas, documentos e manifestações culturais ligadas aos tropeiros.
Resgatar a história do troperismo é compreender parte essencial da formação do Brasil. É reconhecer o papel de homens e mulheres anônimos que, com seus animais e bravura, desbravaram sertões, conectaram regiões e forjaram identidades. Em tempos de alta velocidade, olhar para os passos firmes e compassados das tropas é também uma forma de entender o tempo e o território com mais profundidade.